30 September 2007

(2006) The Kovak Box




Por vezes estreiam em Portugal filmes que passam completamente despercebidos ao público. The Kovak Box é provavelmente um deles. Tendo estreado num número muito limitado de filmes, decerto que poucos foram aqueles que o foram ver.

The Kovak Box conta-nos a estória de David Norton, um escritor de ficção científica, convidado a dar uma conferência na ilha de Maiorca. Mas a sua vida vai ficar abalada quando a sua namorada se suicidado sem qualquer tipo de explicação. Ao tentar sair da ilha, apercebe-se que há alguém que o quer lá manter. Ao conhecer Sílvia, uma jovem que também tentou cometer suicídio, apercebe-se que houve vários casos semelhantes nos últimos dias. Os dois vão então tentar descobrir quem está por detrás de tudo isso, e quais as suas intenções.

Estamos perante um filme europeu que conta com a presença de vários actores americanos. Não esperem acção frenética ou explosões por todo o lado. Mas há que dizer que as actuações estão boas embora não brilhantes. Igualmente boa está a estória e a forma como ela flui, nunca sendo revelado mais do que o necessário para que o espectador compreenda o que se está a passar, mas sem que seja desvendado o desfecho do filme.

O final do filme é interessante e fica-lhe bem, embora possa parecer que teria ficado uma cena por mostrar (é necessário saber apreciar este tipo de coisas no cinema europeu).

Sem querer revelar mais acerca do filme, tenho de acrescentar que se trata de um filme que vale a pena o dinheiro gasto no bilhete. Sem falhas de maior, trata-se de um filme muito sólido que vem dar um pouco de cor ao verão pobre no que diz respeito a cinema.

Pontuação global: 8,0

25 September 2007

(1987) The Princess Bride


Hoje, 25 de Setembro de 2007, marca o 20º aniversário da estreia do filme The Princess Bride ("A Princesa Prometida"). Achei ser uma boa altura para fazer um comentário a este filme que parece permanecer relativamente desconhecido em Portugal.

Este filme é uma adaptação cinematográfica da novela homónima de William Goldman, e o screenplay é do próprio autor, função que já desempenhou em grandes filmes como All the President's Men (1976), Marathon Man (1976) e Misery (1990).

A realização é de Rob Reiner. Este realizador tem alguns clássicos no seu currículo, como This Is Spinal Tap (1984), Stand by Me (1986), Misery (1990) e A Few Good Men (1992). Mas, por alguma razão, só consigo pensar nele como o Meathead de All in the Family.

A estória é-nos apresentada através da leitura de um conto de fadas, narrado por um avô ao seu neto, que está doente. O conto de fadas é clássico: O poder do amor, príncipes maus, espadachins, gigantes, anões, monstros e feiticeiros. Curiosamente, não inclui fadas.

Peter Falk é o avô e narrador da história. Parte de mim estava sempre à espera que ele vestisse a gabardina, metesse um charuto na boca e dissesse ao neto "Oh, one more thing..." antes de o prender.

Fred Savage é o neto. A sua atitude ao longo da narrativa espelha a das pessoas que vêm o filme: Inicialmente mostra desinteresse (pois, afinal, quem quer ouvir mais um conto de fadas?), mas rapidamente começa a ficar embrenhado na estória, querendo saber o que irá acontecer no próximo capítulo.

Cary Elwes é Westley, o simples e corajoso rapaz do campo que é herói em tantas estórias deste género. O actor esteve bem neste papel, o que talvez tenha levado à sua escolha para representar a versão humorística de Robin Hood (um herói similar) em Robin Hood: Men in Tights (1993).

Robin Wright Penn é a bela Buttercup, a "princesa" que dá o título ao filme. Costumo pensar nesta actriz apenas como a Mrs. Penn, pois ela não costuma dar muito nas vistas. Creio que só a vi em dois outros filmes: Forrest Gump (1994) e Unbreakable (2000).

Os vilões principais são o Principe Humperdinck (Chris Sarandon), que quer casar com Buttercup por razões políticas, e o Conde Tyrone Rugen (Christopher Guest), cujo hobby principal parece ser a tortura.

As personagens mais coloridas são provavelmente o trio de mercenários: Vizzini (Wallace Shawn), o pequeno homem com grande cérebro, que acha inconcebível haver alguém mais esperto que ele; Inigo Montoya (Mandy Patinkin), o espadachim honrado que procura o homem que matou o seu pai; e Fezzik (André the Giant), o gigante (literalmente) de bom coração e com talento para rimas. Apesar de parecer não ter muito jeito para actor, acho que não poderiam ter feito melhor escolha.

Há ainda duas participações curtas que realço: Billy Crystal, quase irreconhecível no papel de Miracle Max; e o lendário comediante Peter Cook, como um membro do clero com um leve problema de fala.

Não esperem grandes efeitos especiais, drama intenso ou muitas gargalhadas. Esperem um conto de fadas clássico. E talvez assim se venham a sentir um pouco como o neto.

Pontuação global: 7,9

Scaling the Cliffs of Insanity,
Battling Rodents of Unusual Size,
Facing torture in the Pit of Despair.
True love has never been a snap.

08 September 2007

(1992) Glengarry Glen Ross


Uma agência de venda de terrenos localizada em Chicago atravessa momentos complicados devido às circunstâncias menos favoráveis em que o seu mercado alvo se encontra envolto. Numa tentativa de melhorar os rendimentos do seu departamento de vendas, os seus donos, Mitch e Murray, promovem uma pequena sessão de incentivo num dos escritórios de vendas. Esta pequena palestra é dada por Blake, um funcionário da firma, sendo o seu público os quatro vendedores de serviço (Ricky Roma, Dave Moss, Shelley Levene e George Aaronow). É-lhes apresentada uma nova adição ao concurso de vendas que decorre actualmente no escritório. Os dois primeiros prémios são os mesmos, ou seja, os funcionários com o maior valor acumulado de vendas são presenteados com um Cadillac Eldorado e um conjunto de facas de carne, respectivamente. O terceiro prémio é o despedimento imediato.

Todos os vendedores são assim obrigados a conseguirem o maior número possível de vendas com base em pistas antigas e fracas, com o vencedor do concurso a ser premiado com as novas pistas de elevado valor denominadas Glengarry (neste contexto, pistas são cartões com nomes e contactos de pessoas que terão a capacidade financeira para se tornarem potenciais compradores de terras, caso sejam convencidos a isso pelos vendedores que as contactam). Os vendedores vêem-se subitamente pressionados para serem bem sucedidos, sendo a situação em si adicionalmente potenciada não só pelos seus problemas pessoais e profissionais, mas também pelos objectivos e intenções pessoais de alguns deles.

"Glengarry Glen Ross" é baseado na aclamada peça de teatro de David Mamet, com a qual venceu um prémio Pulitzer. Mamet é um argumentista e realizador brilhante cuja imagem de marca é a forma dura e directa com que as suas personagens interagem com o meio em que se encontram inseridas por intermédio de diálogos rudes e magnificamente elaborados, tornando-as extremamente credíveis e plausíveis. Muitos apontam a utilização excessiva e desnecessária de palavrões por parte de Mamet neste filme, e na sua escrita em geral. Mas esta questão parece-me perfeitamente justificada, contribuíndo para a contextualização das estórias e a sua aproximação ao que nós consideramos "real". É uma imagem de marca de Mamet e este é globalmente considerado como um dos maiores escritores vivos de peças e argumentos na língua inglesa. Esta estória contém algumas das melhores personagens do cinema produzido no decurso do século XX.

Com o próprio Mamet encarregue de adaptar a sua peça para o grande ecrã, a realização ficou a cargo de James Foley, um realizador com uma carreira muito discreta e ao longo da qual apenas consigo destacar Confidence para além deste filme. Neste caso específico, fez um excelente trabalho ao orientar de forma brilhante um elenco recheado de estrelas, o que nem sempre é trivial de conseguir. A iluminação é excelente e o trabalho efectuado com as cameras é simplesmente fantástico, com uma utilização quase deliciosa de diferentes ângulos que permitem ampliar os desempenhos dos vários actores, salientando pormenores específicos nas cenas apresentadas.

É bastante interessante que Foley nunca se tenha tornado num dos realizadores de primeira categoria em Hollywood após ter criado este filme soberbo. Existem algumas teorias da conspiração relativamente a este assunto e, pessoalmente, concordo com duas delas. A primeira refere que Mamet terá participado activamente na realização do filme, não se tendo restringido à escrita do guião; a segunda aponta para uma liberdade quase total dos actores para desempenharem os respectivos papéis, visto que apenas Pacino e Baldwin nunca tinham participado na peça de teatro.

O elenco é apenas um dos melhores alguma vez colocado à frente de uma camera e os seus protagonistas são os seguintes:
  • Al Pacino é Ricky Roma, um homem arrogante e frontal cuja capacidade de conversação claramente acima da média faz dele o melhor vendedor do escritório. Mantém sempre algum distanciamento dos restantes vendedores do escritório. Um excelente papel deste "monstro" do cinema que lhe valeu uma nomeação para um Oscar de Melhor Actor Secundário.

  • Jack Lemmon é Shelley Levene, um vendedor cuja alcunha é The Machine. Embora seja uma espécie de herói local no departamento de vendas, a sua capacidade empreendedora encontra-se numa curva acentuadamente descendente e, ao ser confrontado com a possibilidade de vir a ser despedido, entra em pânico, visto que necessita de dinheiro para pagar o internamento da sua filha numa instituição médica. Lemmon era um actor com um talento natural para papéis dramáticos e aqui teve a oportunidade de representar uma personagem à sua medida. É o segundo melhor desempenho do filme e acaba por ser a figura central de todo o enredo.

  • Kevin Spacey é John Williamson, o chefe do escritório e responsável por todo o trabalho administrativo e burocrático associado à venda de terrenos. Sem qualquer experiência em vendas, é constantemente insultado e humilhado pelos seus supostos subordinados por não ser mais do que uma marioneta dos seus chefes. Um óptimo desempenho de um grande actor que estava a começar a despontar no grande ecrã aquando do lançamento deste filme.

  • Ed Harris é Dave Moss, um homem revoltado e frustrado com a sua situação actual e capaz de praticamente tudo para satisfazer os seus objectivos e desejos pessoais. Encontra-se à beira de uma explosão emocional por não ser muito bem sucedido a nível profissional. Um desempenho extremamente forte e intenso na representação de um homem cuja forma de ser assenta no ódio.

  • Alec Baldwin é Blake, um motivador a quem é pedido que dê uma pequena palestra aos funcionários do escritório de vendas retratados nesta estória, com o objectivo de os encorajar a vender propriedades. Baldwin surge em apenas uma cena do filme cuja duração é aproximadamente sete minutos, mas consegue ser o melhor desempenho do filme e, curiosamente, tem aqui a melhor representação de toda a sua carreira. O seu discurso é ofensivo, rude, violento, provocador e incendiário. É simplesmente fantástico e eu arriscaria mesmo a dizer que é um dos melhores desempenhos de sempre captados em filme.

  • Alan Arkin é George Aaronow, a personagem mais caricata da estória. É um vendedor inseguro, indeciso e desmotivado e que tem a tendência irritante de repetir tudo o que lhe é dito por outras pessoas. Profissionalmente, é um caso perdido, nunca tendo sido bem sucedido e sem qualquer hipótese de o vir a ser num futuro próximo ou distante. O recém-vencedor de um Oscar tem aqui um excelente papel.

Não tendo conhecimento da forma de funcionamento das escolas de cinema mais prestigiados nos E.U.A., penso que este filme deveria ser considerado um exemplo a seguir e mostrado a todos os alunos que sejam aspirantes a argumentistas e actores. Em suma, um filme fantástico que fará para sempre parte da minha lista de favoritos, não apenas pela qualidade do filme em si, mas acima de tudo pelo argumento fantástico e as actuações maravilhosas do elenco.

You got leads. Mitch and Murray paid good money. Get their names to sell them. You can't close the leads you're given, you can't close shit, you are shit! Hit the bricks, pal, and beat it, 'cause you are going out!

Fuck you... that's my name! You know why, mister? 'Cause you drove a Hyundai to get here tonight. I drove an $80.000 BMW. That's my name!

Pontuação global: 8,1

02 September 2007

Is Deckard a Replicant?



Antes de começar tenho de alertar que o texto que se segue tem spoilers sobre o filme Blade Runner.




Como já tinha escrito na review do filme, várias pessoas têm diferentes interpretações do filme Blade Runner. Uma das diferenças é a própria personagem principal (Deckard), ficando a dúvida se ele é ou não um replicant. Segundo Ridley Scott, Deckard é um replicant, e foi de sua intenção deixar pistas no filme, que levassem o espectador a chegar a essa conclusão ou pelo menos, que questionassem a sua humanidade. Os principais indícios são:

- Numa fala de Gaff, na qual ele diz a Deckard “You've done a man's job, sir!”
- Deckard nunca chega a responder à pergunta de Rachel: Have you done the test.
- Na versão director's cut, a meio do filme Deckard sonha com um unicórnio, e no final, quando ele sai do seu apartamento com Rachel, ele repara que está no chão um origami de um unicórnio deixado por Gaff.
- O motivo de Roy ter salvo Deckard no fim do filme pode ter sido por ele ter descoberto que Deckard é um replicant como ele.

O principal argumento de quem defende que Deckard é um replicant está nas cenas adicionais da versão director's cut, que apontam claramente para que ele seja replicant. No entanto há vários argumentos que sugerem o contrário, entre ele:

- No livro de Philip K. Dick que deu origem ao filme, Deckard é humano.
- Não há replicants na Terra (Rachel é um modelo experimental).
- Deckard é fisicamente mais fraco que os outros replicants.
- No filme, todos os replicants são tratados pelo seu primeiro nome (ex: Roy, Rachel) enquanto que os humanos são tratados pelo seu apelido (ex: Sebastian, Tyrell).

O facto de no livro Deckard ser humano sem qualquer sombra de dúvida é o principal argumento de quem defende que Deckard é humano. No entanto, visto que o filme não é uma adaptação da estória do livro, acho que esse argumento não deve ser levado em consideração. No entanto Deckard é-nos apresentado como humano, e se as pistas apresentadas durante o filme não forem suficientemente fortes para levarem o espectador a mudar de opinião, então Deckard é humano. Mas serão insuficientes?

Face a estes argumentos, todos concordamos numa coisa: não é claro se Deckard é ou não um replicant. Como tal, cada um deve decidir por si qual a posição que defende: Deckard é um replicant, Deckard não é um replicant, ou finalmente, o importante é que seja lançada a dúvida. Quem ganha com esta discussão é a obra de Dick, pois o filme cumpre o mesmo objectivo do seu livro: questionar acerca do que é a humanidade.